Discussão de Artigo - Tema: Prejuízo do uso de telas na infância para o neurodesenvolvimento e o papel das brincadeiras ao ar livre.
Por Dr. Hugo Funakoshy Ribeiro de Oliveira, médico pediatra pela UFRN.
09 de março de 2023.
Nos últimos anos, um assunto muito abordado na pediatria é a relação entre a exposição de bebês e crianças às telas e seus efeitos no neurodesenvolvimento. Quando se fala em telas, trata-se de diversos aparelhos eletrônicos como TVs, DVDs, smartphones, tablets, videogames, notebooks ou computadores. Esses dispositivos se tornaram cada vez mais necessários em nossas vidas, e consequentemente estão também mais presentes na vida de nossas crianças, que muitas vezes imitam o comportamento dos adultos, pois imitar é uma das principais formas da criança aprender. Nos últimos anos, com os avanços nos estudos do desenvolvimento infantil, observou-se que bebês expostos às telas têm um risco maior de sofrer ao longo dos primeiros anos de vida com problemas de linguagem, de comportamento, de atenção e até de desempenho escolar.
Hoje, eu trouxe para compartilhar com os leitores as principais informações de um artigo publicado no Journal of American Medical Association - Pediatrics, em janeiro de 2023, intitulado “Outdoor Play as a Mitigating Factor in the Association Between Screen Time for Young Children and Neurodevelopmental Outcomes”- em tradução livre: Brincar ao ar livre como fator atenuante na associação entre tempo de tela para crianças pequenas e resultados do neurodesenvolvimento.
O estudo faz parte de uma coorte (pesquisa que acompanha os participantes ao longo do tempo, de forma observacional, ou seja, sem fazer intervenções) conduzida na Universidade de Hamamatsu, no Japão.
Os pesquisadores acompanharam crianças a partir de 1 ano e 6 meses de idade até os 4 anos de idade. Foram incluídas na pesquisa 885 crianças. O objetivo do estudo foi avaliar se existia associação entre tempo elevado de exposição a telas em crianças aos 2 anos de idade, e o estado de neurodesenvolvimento avaliado aos 4 anos de idade; e também se essa associação seria ou não mediada pela frequência de brincadeiras ao ar livre.
Para isso, os pesquisadores definiram que o tempo maior que 1 hora de exposição a telas seria considerado elevado, para crianças de dois anos de idade, conforme definição usada por muitas sociedades médicas de pediatria internacionalmente (como é o caso da nossa Sociedade Brasileira de Pediatria). Aos 4 anos, o neurodesenvolvimento era avaliado, em 3 grandes domínios: 1º) habilidades de comunicação (linguagem receptiva, expressiva e escrita); 2º) habilidades da vida diária; e 3º) socialização (habilidades para relacionamentos, brincadeiras e mecanismos de enfrentamento). Para classificar a frequência de brincadeiras ao ar livre, os pesquisadores consideraram adequada uma frequência de pelo menos 30 minutos por dia de atividades ao ar livre intensas o suficiente para deixar a respiração da criança mais acelerada, em pelo menos 6 dias da semana.
Os principais resultados relatados pelos pesquisadores foram os seguintes: 1) As crianças que tinham elevado tempo de tela aos dois anos de idade apresentaram pontuações mais baixas na avaliação da comunicação aos 4 anos de idade; essa associação não era mediada pela frequência de brincadeiras ao ar livre; 2) O tempo de tela excessivo também foi associado a menores escores na avaliação de habilidades da vida diária, sendo que essa associação mostrou sim ser mediada pela frequência de brincadeiras ao ar livre em 18%; 3) A frequência de brincadeiras ao ar livre também mostrou associação com positiva com as habilidades de socialização da criança, enquanto que elevado tempo de tela não.
Os autores concluem o artigo afirmando que os resultados sugerem que a frequência de brincadeiras ao ar livre pode atenuar a relação entre tempo de tela excessivo e déficits do neurodesenvolvimento; e que as futuras pesquisas devem esclarecer a natureza dessa relação e promover medidas de intervenção que permitam reduzir os riscos associados ao uso inadequado de telas na infância.
Esse estudo ressalta a relevância do tema exposição às telas na infância atualmente, e reforça ainda mais o papel das brincadeiras ao ar livre no desenvolvimento saudável na infância. A realização de atividades ao ar livre e também atividades físicas em geral (brincar, correr, pular, dançar, andar de bicicleta) devem ser estimuladas na infância, e fazem parte das principais medidas de prevenção das doenças crônicas não transmissíveis (prevenção do sobrepeso, obesidade, diabetes mellitus, doenças cardiovasculares e câncer) que são responsáveis pela maioria das mortes na vida adulta mundialmente.
Crianças devem ser estimuladas desde pequenas à prática de atividades físicas, de forma regular e consistente, em um ambiente seguro e supervisionado.
Referência do artigo em discussão: Sugiyama M, Tsuchiya KJ, Okubo Y, et al. Outdoor Play as a Mitigating Factor in the Association Between Screen Time for Young Children and Neurodevelopmental Outcomes. JAMA Pediatr. 2023;177(3):303–310. doi:10.1001/jamapediatrics.2022.5356
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