Alterações congênitas no pescoço

Um nódulo no pescoço da criança pode gerar muita preocupação à família. Neste texto abordaremos causas congênitas de alterações cervicais, um assunto pouco falado, já que na maioria das vezes que se fala de nódulos no pescoço só se fala de ínguas (linfonodos). Nesse texto falaremos de tireoide ectópica, cisto de ducto tireoglosso, rânula, cistos do timo, cistos branquiais e até de torcicolo congênito, um falso tumor.

Dr. Hugo Funakoshy

4/5/2023

pediatria bebês cisto tireoglosso cisto branquial torcicolo congênito
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Alterações congênitas da região cervical:

Durante a vida intra-uterina, a região cervical é a localização de origem de várias estruturas importantes, como a glândula tireóide (glândula de importância fundamental no metabolismo de todo o corpo). Durante a embriogênese, algumas estruturas têm existência transitória, ou seja, normalmente sofrem regressão natural antes do nascimento, até desaparecerem, de forma que ao nascer são inexistentes. Entretanto, erros na embriogênese podem determinar a persistência de tais estruturas, de forma que podem ou não manifestar sinais ou sintomas durante a vida extra-uterina. Essas estruturas são chamadas “remanescentes embriológicos”, e como principais exemplos temos o ducto tireoglosso e os cistos e fístulas branquiais. Vamos detalhar esse assunto a seguir.

De forma didática, dividiremos o texto em alterações da linha média (que aparecem bem no meio do pescoço) e laterais.

Nesse texto falaremos de:

  • Tireoide ectópica;

  • Cisto e fístula de ducto tireoglosso;

  • Rânula;

  • Cistos do timo ou tímicos;

  • Cistos e fístulas branquiais;

  • Torcicolo congênito;

  • Observação: nesse texto, não abordaremos o aumento de linfonodos (linfonodomegalias ou ínguas), as alterações vasculares, nem dos tumores malignos da região cervical.

 1ª Parte - Alterações da linha média:

Tireoide ectópica e cisto do ducto tireoglosso: Nas primeiras semanas de vida intra-uterina, a partir do assoalho da faringe primitiva, o embrião desenvolve uma estrutura chamada de conduto tireoglosso, que se dirige até a base do pescoço, passando pela linha média, até o local onde se localizará a tireoide. Nesse trajeto ocorre a migração das células que formarão a glândula tireoide. Normalmente, esse conduto sofre atrofia até o final da 10ª semana de gestação. No entanto, pode ocorrer a persistência de tecido tireoidiano em qualquer porção desse trajeto, começando desde a base da língua. Portanto, tumorações existentes na linha média, desde a boca até o pescoço podem se tratar de tireoide ectópica. Quando não ocorre a atrofia do ducto tireoglosso, podem ser formados cistos ou fístulas na linha média do pescoço (ou ligeiramente lateralizados), chamados então de cistos ou fístulas do ducto tireoglosso

A localização mais comum dos cistos do ducto tireoglosso é imediatamente acima da cartilagem tireoide. Esses remanescentes podem ser assintomáticos ou serem percebidos como um pequeno inchaço ou saliência. Porém quando o paciente apresenta infecções de vias aéreas superiores, como resfriados e infecções da garganta (faringites ou faringoamigdalites) é possível que também apresente infecções do cisto tireoglosso, culminando com a saída de secreção espontaneamente pela pele, e assim ocorrendo a formação da fístula (fístula é a formação de um trajeto ou comunicação previamente inexistentes entre duas estruturas corporais ou entre uma estrutura e o meio externo). 

No exame físico, é possível perceber o deslocamento vertical do cisto tireoglosso durante os movimentos de deglutição. O diagnóstico é feito pelo exame físico, e podem também ser  utilizados exames de imagem como ultrassonografia, tomografia e ressonância magnética. Cirurgiões pediátricos experientes podem definir o diagnóstico clinicamente. O tratamento normalmente é cirúrgico.

 É importante fazer o diagnóstico diferencial com tireoide ectópica antes da cirurgia, para evitar a remoção do tecido tireoidiano saudável e o paciente desenvolver hipotereoidismo no pós-operatório. Pode ser necessária ultrassonografia, para visualização da tireoide normal em seu local habitual, e assim, com mais segurança, fazer a excisão do cisto tireoglosso. 


Rânulas - Tumorações presentes na região submentoniana podem decorrer de glândulas salivares que sofrem obstrução e formam estruturas de aspecto cístico denominadas rânulas. As rânulas são mais comumente diagnosticadas quando se exteriorizam para a cavidade bucal e são, portanto, facilmente visualizadas quando a criança abre a boca, geralmente localizadas abaixo da língua. No caso das rânulas que ficam ocultas sob a mucosa e aumentam muito seu volume, essas podem ser vistas como uma tumoração na região submentoniana.

Cistos do timo (ou tímicos) - Outro tipo de tumoração que pode estar presente na linha média (mas que também podem ser lateralizados) são os cistos tímicos. Os cistos do timo são formados também no processo de descida do tecido embrionário que forma o timo. O timo é uma estrutura que compõem o sistema imunológico, e é o local de maturação de linfócitos T. O tratamento dos cistos do timo é cirúrgico.

2ª Parte - Alterações da região lateral do pescoço:


Cistos Branquiais - Nos primórdios da embriogênese, no polo cefálico do embrião, formam-se estruturas chamadas arcos e fendas branquiais. Elas darão origem a vários elementos da face e do pescoço do bebê. Os arcos branquiais são 5, e as fendas estão entre eles, num total de quatro. A formação de cistos branquiais decorre da persistência anormal de estruturas do aparelho branquial que deveriam ter sofrido regressão. 

Na grande maioria das vezes, os cistos branquiais se formam a partir da segunda fenda branquial, e se localizam anteriormente ao músculo esternocleidomastóideo, seguindo seu trajeto, mais comumente logo abaixo do ângulo da mandíbula. Portanto, são de localização lateralizada, diferentemente dos cistos de ducto tireoglosso. Os cistos branquiais, apesar de estarem presentes desde o nascimento, só costumam ser percebidos no final da infância, quando já estão maiores e podem sofrer infecção; e em 20% dos casos só manifestam sintomas na vida adulta. 


Os sintomas geralmente são a percepção de pequena tumoração de consistência elástica sobre o músculo esternocleidomastóideo; ou quando infectados, pode ocorrer inchaço, vermelhidão e saída de secreção purulenta ou mucóide através da pele, com consequente formação de fístula. Essas infecções podem se tornar recorrentes. O tratamento consiste primeiramente no controle do processo infeccioso, e em seguida a remoção cirúrgica.


Torcicolo congênito (pseudotumor) - Outra frequente alteração que acontece na região cervical, perceptível em recém-nascidos, é o torcicolo congênito. Muitas vezes, a queixa dos pais é da presença de um nódulo no pescoço do bebê, associado à preferência do bebê pela rotação do pescoço para o lado contrário ao “nódulo”. Na verdade, o torcicolo congênito não se trata de um tumor ou massa, mas pode apresentar-se como um espessamento fibroso do músculo esternocleidomastóideo. Essa contratura muscular é vista externamente como um nódulo, gerando preocupação aos pais. 

É uma condição exclusiva de recém nascidos e lactentes jovens; já o torcicolo de crianças grandes é diferente: é adquirido ao longo da vida, e tem outras causas. O quadro clássico do torcicolo muscular congênito é de um bebê que mantém a cabeça inclinada lateralmente para o mesmo lado do nódulo, mas rotacionada para o lado contrário ao nódulo (o queixo aponta para o lado oposto ao nódulo). É observada uma limitação na rotação passiva do pescoço para o lado afetado. 

Essa condição, chamada torcicolo muscular congênito, é adquirida na vida intrauterina, mas só costuma ser percebida após 2 a 4 semanas de vida. A sua causa ainda não foi bem determinada, embora existam teorias de que um mau posicionamento intrauterino da cabeça contribua para gerar a fibrose muscular.  Essa condição é ligeiramente mais frequente em meninos. O posicionamento vicioso da cabeça para o mesmo lado pode acarretar outras condições como a plagiocefalia (plagiocefalia posicional) e alterações no desenvolvimento da face (exemplo: posicionamento mais anterior da orelha). 

Em quadros típicos, o diagnóstico é feito clinicamente através da história clínica e do exame físico, sem a necessidade de exames complementares de imagem. Em casos específicos em que haja dúvida diagnóstica, pode ser necessária a realização de exames como a ultrassonografia, que ajuda a confirmar a origem muscular na nodulação. Algumas situações antenatais foram associadas a uma maior frequência do torcicolo muscular congênito: primeiro parto, apresentação pélvica, oligoidrâmnio (escassez de líquido amniótico), movimentação fetal reduzida, parto a fórceps, trauma perineal durante o parto, gestação gemelar e bebês com elevado peso ao nascer. 

O torcicolo muscular congênito tem um bom prognóstico, com a maioria das crianças evoluindo para a normalização do posicionamento da cabeça, boa amplitude de movimento bilateral e ausência de deformidades faciais. Quanto antes identificado, melhores são as chances da criança evoluir sem sequelas. A variação da posição da cabeça do bebê ao dormir ou  ao alimentar-se e o estímulo à posição prona (barriga para baixo) enquanto o bebê está acordado são recomendações que devem ser seguidas pelos pais e cuidadores. Excesso de tempo deitado, com a cabeça apoiada (exemplo: manter o bebê em carrinhos de bebê ou bebê-conforto mesmo quando está acordado) atrapalham na recuperação do bebê com torcicolo congênito. Mas lembre sempre: não se recomenda que os bebês durmam de barriga para baixo, pelo aumento do risco de morte súbita do lactente. Os bebês devem dormir de barriga para cima até pelo menos o sexto mês de vida, mesmo aqueles com torcicolo congênito.

O tratamento do torcicolo congênito é feito com orientação de medidas posturais e apoio da fisioterapia. Casos refratários ao tratamento convencional podem ser encaminhados para avaliação cirúrgica (ortopedistas ou cirurgiões pediátricos).

Enfim, estas foram algumas das formas mais comuns anormalidades anatômicas na região cervical, que acontecem de forma congênita e podem se manifestar desde a vida neonatal até crianças mais velhas ou vida adulta.

Autoria: Dr. Hugo Funakoshy Ribeiro de Oliveira - Médico Pediatra.

Aviso: os tópicos de saúde infantil deste site são textos de caráter educativo e não devem substituir a avaliação e orientação de um profissional de saúde.